Multipropriedade alavanca 59,9 bilhões em vendas no Brasil

Essa que é a principal modalidade de negócios para a construção de novos hotéis no Brasil conta com 180 empreendimentos em 19 estados brasileiros e 81 cidades.

O Pipa Island Resort é o novo empreendimento que a GAV Resorts lançou no ponto turístico de Pipa - o Chapadão (Foto - Divulgação)

Baseado no modelo de negócios fracional, que ganhou força nos Estados Unidos, as frações imobiliárias tiveram início no Brasil na década de 80. O intuito era a facilitação da aquisição de um imóvel para usufruir no período de férias e fomentar destinos que sofriam muita sazonalidade. Isso coincidiu com a alternativa utilizada em vários segmentos da economia, já há algum tempo, possibilitando que mais pessoas tivessem acesso a bens que sem este tipo de estruturação proprietária teriam muita dificuldade ou interesse em possuir. O conceito foi iniciado com produtos de alto valor, tais como aviões e barcos, permitindo que multiproprietários pudessem ter acesso a este tipo de bens conseguindo suportar os custos de aquisição, operação e manutenção. Quando o bem não estivesse sendo utilizado, poderia ser alugado para business ou lazer, reduzindo os custos de aquisição e manutenção do bem. Havia um grande número de clientes que buscavam opção de férias sem ter que suportar 100% dos custos de uma segunda residência que é muitas vezes subutilizada. Transportando esta ideia para o setor de hospitalidade de lazer no Brasil, esse conceito se consolidou em Caldas Novas (GO) e rapidamente se espalhou por todo o Brasil.

A multipropriedade teve na aprovação da lei 13.777/2018, pelo Congresso Nacional, uma das suas maiores vitórias. A regulamentação permitiu que o segmento crescesse de maneira exponencial. Contudo, os pleitos no âmbito legislativo ainda não acabaram e, neste ano, o Projeto de Lei (PL) 4.001 de 2021, complementar ao aprovado há cinco anos, deve ganhar destaque. De autoria do então Deputado federal, Geninho Zuliani (DEM-SP), a PL 4.001 de 2021 "refina" a lei de regulamentação de multipropriedade, em especial questões condominiais e como cada proprietário responde apenas pela sua fração. A última movimentação da lei no Congresso Nacional foi ainda em agosto de 2022, quando o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, deixou a Comissão que debatia o tema. Porém, com a formação do novo Congresso, a PL deve começar a progredir nos próximos meses, com a chegada de um novo relator. A advogada Márcia Rezeke, que participou do grupo de criação da lei 13.777/18 e também da 4001/21, acredita que a aprovação da PL de 2021 vai gerar ainda mais impactos positivos para o segmento de venda fracionada. "Existem ajustes que precisam ser feitos para 'melhorar' a lei de 2018. A PL 4.001/21 não traz grandes inovações, mas abrange questões importantes para o dia a dia e que afetam a operacionalização da multipropriedade", destacou.

Segurança jurídica

E essa segurança jurídica consolidada, atrai cada vez mais investidores de faixas etárias e rendas. E isso fica demonstrado no novo estudo que a Caio Calfat Real Estate Consulting acaba de divulgar apontando que o VGV - Valor Geral de Vendas da multipropriedade passou de R$ 41,2 bilhões apurado em 2022, para R$ 59,9 bilhões neste ano, ou seja, um crescimento de quase 50%. O que justifica esse crescimento expressivo? O Consultor Caio Calfat responde:

"Em princípio eu vejo três motivos para esse crescimento. Primeiro deles é a inflação. Tudo passou por um inflacionamento, principalmente material de construção, mão de obra, enfim, os custos cresceram muito, tanto os custos de mão de obra quanto de material cresceram muito, especialmente por causa da pandemia. O segundo motivo que eu vejo é o crescimento dos empreendimentos de multipropriedade de alto padrão no Brasil, que começaram a surgir de uns três quatro anos para cá. Basicamente, esses só apareceram agora porque só agora eles foram a público, realizar vendas. Então, com isso, o preço médio por metro quadrado aumentou. E com isso o VGV potencial em relação ao número de unidades, também aumentou e o número de empreendimentos passou de 156 no estudo de 2022 para 180 nesse ano. O crescimento do número de empreendimentos não acompanhou o crescimento do VGV, isso quer dizer que existem unidades de alto padrão entrando no mercado, portanto o preço do metro quadrado é mais alto. O terceiro motivo é que, dos mesmos empreendimentos que já estavam a venda, muitos deles diminuíram o número de semanas. Aqueles que eram vendidos em duas semanas, passaram a vender em uma semana e com isso, aumentar o preço de venda, muito para justificar o aumento de custo, de obra, que tiveram nesse meio tempo. Para não subir demais o preço unitário de duas semanas, eles passaram para uma semana e aumentaram o preço do metro quadrado. Para nós, pode ser sim que existam outros motivos, mas são esses que saltam aos olhos logo de cara", analisa Calfat.

Segundo ele, ainda que o aumento não tenha sido tão expressivo, também surpreendeu, demonstrando a força do mercado que está forte, saudável e continua crescendo. Com isso, abre novos destinos e sendo uma opção muito interessante de segunda residência e de hospedagem para o brasileiro médio. "Algo que preocupa é em relação a taxa selic, ela realmente está muito alta e vai prejudicar todo o setor imobiliário enquanto estiver nessas alturas. Até porque quem investe no mercado de capitais, dificilmente vão deixar de investir enquanto os juros estiverem nessas alturas, e tirar seu dinheiro de lá para colocar no mercado imobiliário, seja em qual produto for, residencial, comercial, hotel, uma multipropriedade, qualquer um deles", justifica Calfat. Em relação ao estoque apontado nesse novo estudo que foi de 41%, ele foi menor que em 2021 e menor do que o do ano passado, Calfat considera normal. "O estoque a 40%, a 42%, como estava no ano passado, é absolutamente normal. O problema é chegar a quase 50% como estava em 2021, durante a pandemia. Deixa de ser um pouco de estoque e passa a ser encalhe".

Preocupação com os CRIs

Mas uma grande preocupação no mercado é em relação ao não recebimento de juros e amortizações referentes aos CRIs - Certificados de Recebíveis Imobiliários. O fato levou os fundos de investimento imobiliário Devant, Hectare e Versalhes comunicarem ao mercado. Todos têm em comum o fato de terem sido emitidos pela Securitizadora ForteSec. E um dos grupos envolvidos é a Gramado Parks Hospitalidade e Entretenimento que informou ao mercado no dia 17 de abril que a Justiça de Caxias do Sul deferiu o pedido de recuperação judicial de três holdings e suas subsidiárias GPV, ARC Rio e BPQ. Segundo comunicado, "Essa medida garante a preservação das atividades e dos mais de 2.000 empregos gerados pelo grupo, enquanto será preparado um plano de pagamento dos credores, a ser analisado em assembleia geral, conforme estabelece a legislação — e sob a supervisão da Justiça. O fortalecimento da empresa e a geração de oportunidades e desenvolvimento é o objetivo da reestruturação das companhias, para manutenção de um dos maiores grupos de hospitalidade e entretenimento do País. Estamos em contato com nossos principais credores, buscando uma solução célere para a reestruturação, de modo a não afetar os postos de trabalho e o normal funcionamento das atividades. Para nossos colaboradores, clientes, parceiros e fornecedores: nada muda. Seguiremos com nossas atividades, a partir de agora ingressando em um momento mais propício para nos fortalecermos e continuarmos nossa caminhada", encerrou o comunicado.

A WAM Holding, o Resort do Lago e o Búzios Beach também estão na lista de inadimplentes. Isso pode ser o início de uma crise no setor? "Estamos fazendo o possível para que não seja e inclusive com um grupo de empreendedores e de comercializadores e intercambiadores, operadores hoteleiros reunidos. Criamos um grupo dentro da ADIT Brasil para defender e proteger o mercado. Custou tanto para nós aprovarmos, desenvolver, fazer esse mercado ficar saudável, de forma sustentável, e agora temos que defender esse mercado. Esse é um ponto que nos preocupa sim, agentes financeiros, empresas do mercado de capitais que tiveram problemas no mercado, mas pelo que estamos analisando, trata-se de uma situação específica de uma empresa e suas coligadas com três ou quatro incorporadoras", detalhe Caio.

Ele lembra que quando se fala de um mercado de 180 empreendimentos em 81 cidades do País, 19 estados brasileiros, estamos falando de um mercado muito maior do que essas operações que estão tendo problemas no mercado de capitais. "Essas operações devem significar 10%, 15% do mercado. Isso pode complicar o mercado? Se nós não o protegermos, sim. Estamos fazendo tudo o que for possível para proteger o mercado dessas situações. Mas aparentemente, é uma situação isolada e o mercado é maior e pode crescer muito mais pelo Brasil inteiro".

Fonte: Revista Hotéis