Como deve ser a Gestão Condominial da Multipropriedade durante a crise da Covid-19?
Muito planejamento e estratégia para reduzir custos, fazer acordos com proprietários sobre taxas de manutenção e iniciar a retomada do negócio, esses foram alguns dos pontos abordados por especialistas ouvidos pela Turismo Compartilhado
Com a atual crise causada pela pandemia do novo coronavírus, o segmento do turismo entrou em colapso, com hotéis completamente fechados. Os empreendimentos de multipropriedade também entram nesse cenário, porém com uma complexidade maior que um hotel, pois a multipropriedade é um misto de hotelaria e condomínio. Há serviços hoteleiros, vendas de diárias, e também há uma gestão condominial, com proprietários e taxa de manutenção.
Além de sentir o efeito da pandemia com a falta de viagens neste periódo, a também sente a crise econômica quando os proprietários deixam de pagar as taxas de manutenção, o que dificulta a gestão do condomínio.
Com o objetivo de buscar as melhores soluções para os empreendimentos neste período e no pós-pandemia, a Turismo Compartilhado conversou com especialistas em gestão condominial e hoteleira para multipropriedade: Maya Garcia, diretora da Ibeia, empresa especializada em gestão de relacionamento em multipropriedade; Alexandre Mota, diretor da Caio Calfat Real Estate Consulting.
O que fazer em caso de muitos atrasos de taxas de manutenção? Há como flexibilizar os pagamentos das taxas de condomínio?
Maya Garcia – Uma opção para os condomínios em multipropriedade é lançar mão de acordos individuais para suspensão do contrato de trabalho ou redução da jornada e da remuneração, a fim de reduzir os custos com folha de pagamento, mas sempre a taxa condominial deve corresponder ao efetivo custeio do empreendimento. No entanto, se mesmo com essas medidas, a inadimplência se tornou mais expressiva durante esse período excepcional, seria salutar a retirada de multas e juros durante um período certo e determinado, permitindo-se a ratificação da medida em assembleia geral extraordinária pós-pandemia. A postergação do pagamento das taxas condominiais não é indicada porque afeta o equilíbrio financeiro do condomínio, podendo deixar salários, recolhimentos previdenciários/fundiários e fornecedores essenciais em atraso.
Alexandre Mota – As administradoras devem montar um plano de ação para enfrentar a crise. O olhar para a operação do empreendimento seria nos pontos: o que pode ser cortado; o que pode ser suspenso; o que pode ser substituído (fornecedores, tipos de serviços e etc), e propor que retenção de fundos de reservas sejam suspensas imediatamente, mesmo se mandatórias por convenção (nesse caso, síndico e conselho devem se unir e agir por condições de força maior e emergenciais).
Se possível, a administradora deveria propor que seus honorários sejam apenas provisionados para pagamentos futuros (depende do porte de cada empresa como fazer essa cota de sacrifício).
A verdade é que não há como não existir a cota de manutenção mesmo durante os meses da pandemia/quarentena. Todo empreendimento terá algo a lançar contra os multiproprietários. O ideal é que esses pagamentos sejam feitos mensalmente, na medida mínima possível, pois falamos então de contas de água, luz, folha de pagamento e insumos de manutenção básica.
Não acho que devam ser feitos de imediato concessões para aqueles que não paguem a taxa, como tirar multas e vislumbrar benefícios para os possíveis inadimplentes. O melhor é ter uma cota reduzida que dê condições de pagamento. Casos de inadimplência devem ser tratados no futuro de forma a não penalizar e desprestigiar os adimplentes.
Como ficam os serviços essenciais para o empreendimento? Como reduzir custos?
Maya Garcia – Serviços não essenciais devem ser postergados o máximo possível. Quanto aos essenciais, tais como segurança, benfeitorias necessárias, manutenção básica, podem ser mantidos, desde que respeitadas as normas recomendadas para evitar a disseminação do coronavírus e o contágio, e com staff reduzido. As contas de consumo podem sim sofrer uma redução significativa, na medida em que a limpeza das áreas internas e comuns serão certamente diminuídas na frequência, gastando-se também menos produtos de limpeza. As lavagens de roupas de cama e banho podem ser suspensas (ou reduzido o período mínimo de troca). As despesas com as áreas comuns que estão fechadas, tais como higienização de piscinas, salões de festas e de jogos, saunas etc, sem dúvida, podem ser expressivamente reduzidas. Outro ponto possível de economia é postergar o prazo de reposição obrigatória dos FF&E, já que, submetidos a um menor ou inexistente uso durante o período, acabam por se desgastar menos.
Quanto à folha de pagamento, é permitido que o contrato de trabalho seja totalmente suspenso por até dois meses, período em que o empregado não recebe salário, mas pode levantar o seguro-desemprego, estando protegido pela estabilidade por período idêntico ao da suspensão. Para os empregados que não podem parar em razão da natureza de seu serviço, a jornada de trabalho e o salário podem ser reduzidos em até 70% por, no máximo, 3 meses. A diferença é complementada pelo governo. Como a folha de pagamento sempre é bastante representativa da composição da taxa de manutenção, tais medidas podem ajudar a reduzir de forma significativa os custos de maneira protegida no ordenamento jurídico.
Alexandre Mota – O principal a fazer é reduzir os serviços ao máximo. Deixar na operação o mínimo de funcionários e limitar o acesso às áreas sociais. Provavelmente, devido a quarentena, os empreendimentos já estão vazios, o que não causará problemas com ações como essas.
Apenas os serviços que mantenham a limpeza básica e a manutenção de máquinas devem ser mantidos. Nos apartamentos um cronograma de limpeza e manutenção a cada dez/doze dias, por exemplo, deve ser adotado.
Como deve ser um plano para recuperação do empreendimento pós-pandemia?
Maya Garcia – As locações podem sofrer um impacto negativo mesmo no pós-pandemia, haja vista que é provável que o turismo não seja prioridade para famílias que foram muito afetadas em seus negócios ou em seus empregos. Assim, é salutar que se crie um plano de recuperação que leve isso em consideração, talvez praticando diárias mais baixas a princípio para incentivar a ocupação e a manutenção do pool, elevando-se à medida que a situação for gradualmente se reestabelecendo. Outra alternativa seria incentivar os intercâmbios, pois, nesse caso, o multiproprietário goza seu período em outro empreendimento, deixando a sua unidade livre para locação na estrita hipótese de a intercambiadora não recrutar a unidade. No caso de haver um potencial atrito entre os interesses do multiproprietário e os da gestora hoteleira, devem prevalecer os primeiros, haja vista que são os multiproprietários titulares do direito de propriedade constitucionalmente protegido.
Alexandre Mota – Para o retorno às atividades, os serviços devem ser acionados gradativamente conforme o fluxo de viagens se normalize. A administradora poderá em conversa com o Síndico e Conselho criar um plano de serviços reduzido enquanto não se volta a atingir o equilíbrio financeiro.
Para o futuro: Imagino que essa experiência (pandemia) deva colocar em evidência o que é realmente essencial como serviço nas multipropriedades para garantir uma boa estada e usufruto da propriedade (bem mantida em todas as áreas). O que for além disso deve ser cortado, e se necessário alterado no regimento interno e convenção. Além disso, deverá ser implantado um fundo de reserva para capital de giro mais expressivo daqui para frente. Acho que os aplicativos de controle de acesso dos multiproprietários, reservas, chaves eletrônicas, entre outros, deverão ter mais espaço para diminuir os gastos operacionais.
A Lei da Multipropriedade estabelece que em caso de inadimplência a cota pode ser colocada no pool para locação, para quitar a dívida, e o proprietário não poderá utilizá-la. No momento atual, durante uma pandemia, essas medidas seriam severas?
Maya Garcia – A situação pode se tornar gravosa quando o problema for cíclico: não se permite o multiproprietário de usar a unidade por estar inadimplente, mas o pool também não performa por falta de demanda pós-pandemia. Porém, não há como privilegiar o multiproprietário inadimplente frente à possibilidade de sua unidade – durante o período que lhe caberia o uso exclusivo – ser alugada e gerar renda. Talvez a demanda represada após um longo período de quarentena possa até a aumentar as locações, isso só o tempo irá dizer. O multiproprietário que não quiser ser penalizado com a perda de seu direito de uso pode entrar em acordo em condições facilitadas, como redução de juros e multa, e não aplicação de correção monetária no período. O importante é restabelecer o fluxo de pagamentos para não se agravar ainda mais a situação.
Alexandre Mota – Durante a pandemia não há como aplicar a Lei. Porém, imediatamente após a flexibilização da quarentena, os inadimplentes devem fazer acordos ou terem suas unidades destinadas para o pool com o efeito de quitar as cotas em aberto.
Mas as administradoras devem estar alertas de como o mercado turístico reagirá, pois se houver uma curva de retomada longa, a inadimplência continuará alta, pois a ocupação do pool será baixa.
Então, para o pós-pandemia, o ideal, na minha opinião, é que se façam acordos diretos com os mutiproprietários (que paguem e complementem o pagamento com eventual receita do pool).
Legalmente, em caso de não conseguir receber taxas de manutenção atrasadas e os proprietários não poderem fazer aportes de capital no empreendimento, o condomínio pode decretar falência? O que acontece com as cotas nesse caso?
Maya Garcia – Condomínios não são empresas para se submeterem à falência ou à recuperação judicial. O que pode existir é deficiência de caixa. Essa situação pode ser contornada, pois sempre há fundos de reserva para situações de emergência e ainda há os fundos de reposição, que podem, em caráter muito excepcional, cobrir despesas ordinárias. Ademais, sempre pode haver corte de serviços e de folha de pagamento. Para que isso não aconteça é crucial que o empreendimento mantenha a inadimplência sob controle e tente debelá-la já desde o princípio, entendendo se o multiproprietário não paga porque não consegue transitoriamente ou se perdeu o interesse na propriedade, hipótese em que se pode abrir uma nova comercialização, que é sempre mais interessante do que levar a fração à hasta pública.
Alexandre Mota – O condomínio fica sem condição de uso. Não há falência para condomínios. Contudo todas as dívidas ficam ativas contra o condomínio e, consequentemente, contra os multiproprietários. Os credores acionam o condomínio e reflete na figura de cada multiproprietário, conforme sua fração ideal no empreendimento. Ou seja, as cotas ficam preservadas juridicamente, afinal é um bem do proprietário que usufrui do bônus e do ônus desse bem.
O aporte de capital pode ser realizado como adiantamento de cotas de manutenção ou aumento da cota de manutenção. Pode ser definido essa condição seguindo-se o estabelecido na Convenção do Condomínio.
Fonte: Turismo Compartilhado