Os impactos dos novos complexos hoteleiros do Nordeste

Com poucos dias de intervalo houve o anúncio de dois grandes projetos no Brasil, que envolvem hotelaria e entretenimento, sendo um na Paraíba e outro em Pernambuco. A cidade de João Pessoa terá o maior polo turístico planejado do Nordeste, enquanto a Praia dos Carneiros (PE) ganhará um parque aquático e um resort.

Na Paraíba já foram assinados os primeiros contratos, com investimento acima de R$ 500 milhões. O Polo Turístico do Cabo Branco já tem confirmados o Ocean Palace Jampa Eco Beach Resort e o Amado Bio & Spa Hotel, além do investimento espanhol no Surf World Park – que terá aulas de surf, piscina de ondas e mais atrativos, incluindo um resort próprio.

“O projeto de Cabo Branco existe há 35 anos, mas uma série de fatores históricos fez com que nunca ele saísse do papel. Em julho de 2019 o governo lançou um edital ofertando as primeiras áreas para que pudéssemos subsidiar os terrenos a grupos empresariais com capacidade de implementar os negócios. A Covid-19 atrapalhou o andamento das negociações, mas com a retomada das atividades do turismo conseguimos finalizar a concorrência de seis áreas ofertadas, inicialmente. Ao final, fechamos quatro delas”, explica Gustavo Feliciano, secretário de Estado do Turismo e Desenvolvimento Econômico.

Como incentivos fiscais, o governo da Paraíba oferece condições muito favoráveis para quem deseja abrir novos negócios no complexo. O ISS (Imposto Sobre Serviços) cai de 5% para 2%, por 4 anos, e os grupos pagarão apenas 10% do valor de mercado dos terrenos no caso dos hotéis, 3% no parque e 5% na área destinada ao comércio e serviços. Inclusive, já foi divulgado um novo edital de chamamento público para novos lotes no complexo paraibano, destinados à construção de resorts e comércio – com expectativa de um shopping a céu aberto.

“Os investidores não vão desembolsar nada com a infraestrutura básica da região e o polo está localizado dentro da capital, a 24 quilômetros do aeroporto. É uma proposta muito agressiva e o maior impacto, sem considerar os novos empregos, será no fluxo de viagens. A estimativa é receber 1,5 milhão de turistas a mais por ano, com 125% de alta em relação ao que tivemos em 2019. É um divisor de águas para nós”, afirma o diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento da Paraíba (Cinep), Rômulo Polari Filho, que atua no órgão vinculado à Secretaria de Desenvolvimento e Turismo.

E na Praia dos Carneiros, no município de Tamandaré, em Pernambuco, a Gramado Parks é a responsável pela novidade, levando ao destino um parque aquático (chamado Acquaventura) e um resort, com visual inspirado na Polinésia. O investimento total será de R$ 380 milhões e o grupo terá um incentivo no ISS com alíquota entre 2% e 3%.

“A ideia é replicar em Pernambuco o conceito de negócio que temos em Gramado. Era um desejo antigo levar nossa expertise a outros destinos com perfil de público e renda semelhantes aos que já atendemos, e também a busca por um local com belezas naturais. A operação do complexo será feita por nós”, explica Anderson Caliari, presidente da Gramado Parks. Vale lembrar que o grupo é responsável por atrações como o Snowland, na Serra Gaúcha, e a roda-gigante Rio Star (RJ).

Sustentabilidade e modelo de negócio

Em geral, as propostas são parecidas, já que os dois complexos terão uma combinação de resort e parque aquático, com foco nas famílias, mas os destinos têm contrastes. De um lado a capital paraibana, com maior estrutura, e, do outro, Tamandaré, que tem pouco mais de 20 mil habitantes. Muito além do impacto econômico, surge uma discussão em torno da sustentabilidade, do overtourism e de como será o trabalho com a população de cada município, o que gera uma análise de prós e contras deste tamanho de empreendimento.

Apesar do compromisso sustentável assumido publicamente pelas empresas, é necessário fazer uma análise mais profunda do impacto dos projetos, segundo Marianne Costa. Ela é fundadora da Vivejar, operadora especializada em experiências comunitárias no Brasil, e também do Instituto Vivejar, organização sem fins lucrativos com foco no turismo responsável.

“Normalmente há uma simplificação do conceito de sustentabilidade, resumindo-o apenas a questões ambientais, mas na verdade existem três pilares: o ambiental, o social e o econômico. É necessário fazer as seguintes questões: o negócio foi criado unicamente para lucro ou também para promover o desenvolvimento do destino? Como pretende incluir a comunidade local? Como vai selecionar os funcionários? Existirá um processo seletivo que considera questões raciais, de gênero e outros aspectos da diversidade?”, pergunta Marianne.

Sobre a questão ambiental, o secretário de Turismo da Paraíba diz que este é um ponto já resolvido. “Como contrapartida, o Estado já criou o Parque das Trilhas, de 570 hectares, que não poderá ser desmatado. Nele, é possível fazer trekking e circuito de mountain bike entre as atividades. E também está sendo construído um batalhão de polícia ambiental. Definimos uma taxa de ocupação máxima dos terrenos, o que na prática significa que há números exatos permitidos de ocupação por hectare, tamanho da obra e distanciamento necessário entre os prédios. Quem construir seus empreendimentos terá que se adequar a essas normas de zoneamento, obtendo suas próprias licenças”.

m Pernambuco, a Gramado Parks adiantou que o empreendimento terá a certificação LEED – Green Building, que chancela padrões de construção sustentável, incluindo processos de redução do consumo de energia e água, além da preocupação com resíduos e outros impactos ambientais. O grupo gaúcho ainda fará uma melhoria na orla de Tamandaré e boa parte da mão de obra deverá ser local. “Dentro do nosso corpo diretivo temos, em maioria, pessoas do Rio Grande do Sul e São Paulo. Porém, mais de 80% dos colaboradores do complexo serão da própria região e vão receber treinamento interno na nossa universidade, que chamamos de UniGPK”, diz Caliari.

“Não gosto de ter uma visão unilateral, daquelas que acham que por estes serem grandes empreendimentos eles serão ruins. O que acontece é que, às vezes, os projetos grandiosos acabam sendo negligentes em minimizar o seu impacto negativo nos destinos. Focam na geração de empregos, mas acabam sendo excludentes do ponto de vista das comunidades locais. É errado simplificar o conceito de sustentabilidade a ações pontuais e a gestão responsável deve começar durante a construção”, sugere Marianne.

Outro questionamento é se esses grandes complexos seriam a solução para fortalecer o turismo brasileiro, mas os especialistas, em geral, acreditam que não existe uma fórmula pronta e unânime de desenvolvimento turístico, sendo necessário avaliar caso a caso. “Tudo depende da dimensão e finalidade de cada destino, e se o lugar é propício ou não para determinado tipo de negócio”, pondera Caio Calfat, diretor geral e fundador da Caio Calfat Real Estate Consulting.

“Esse modelo de grande complexo é uma das opções relevantes dentre as possibilidades no Brasil para estruturar a nossa rede hoteleira, mas é difícil afirmar que é a melhor opção. Somado a isso, há componentes diferentes, sendo que em Carneiros o modelo é de multipropriedade, um dos motores de desenvolvimento do lazer nos últimos anos. É a possibilidade de adquirir uma ‘segunda residência’ para quem não tem condições de comprar uma casa de veraneio, e isso traz um mercado consumidor mais amplo. Já na Paraíba vejo o esforço público em atrair investidores para estruturar seus componentes turísticos e hoteleiros”, argumenta Pedro Cypriano, sócio-diretor da HotelInvest.

Hotéis menores em risco?

Sempre que um estabelecimento de maior porte é inaugurado, é comum haver uma desconfiança entre empresários de que eles podem sofrer com a nova concorrência. A professora e pesquisadora Mariana Aldrigui, que atua na Universidade de São Paulo e preside o Conselho de Turismo da FecomercioSP, reforça que, mesmo com a sensação de que os projetos são grandes demais para os destinos, os hotéis menores e pousadas devem ter algum lucro.

“Os empreendimentos menores podem ser beneficiados, de certa forma, com a divulgação forte dos destinos para o público final e trade, e não concorrerão diretamente pelo mesmo perfil de consumidor. Quem prefere resorts não ficaria numa pousada, por exemplo, ou opta por dividir a sua estadia entre os dois tipos de hospedagem para encaixar a viagem no orçamento ou torná-la mais barata”, diz Mariana.

Cypriano menciona outras vantagens que esses empreendimentos poderão levar a suas respectivas regiões. “Desenvolver destinos é algo complexo, mas com empreendimentos de grande porte é possível gerar escalas que viabilizam, eventualmente, mais voos e fluxo maior de pessoas. Isso gera também uma estruturação de outros equipamentos de pequeno e médio porte, que servem de suporte e aumentam a atratividade do destino”.

Neste sentido, o presidente da Gramado Parks alertou ainda que, em Pernambuco, é provável que a oferta hoteleira não seja suficiente em Carneiros, isto porque o complexo será inaugurado por fases. O parque aquático abrirá primeiro, em 2022, e o resort começa a operar apenas em 2025, com 414 apartamentos, e no ano seguinte dobrará essa capacidade, ultrapassando o número de 800 acomodações.

“A chegada do parque, em primeiro momento, vai proporcionar extremo crescimento para a hotelaria que já existe em Tamandaré. Haverá um ‘boom’ porque vamos gerar demanda. O objetivo é fidelizar os clientes ao destino e nosso resort funcionará com o modelo de multipropriedade. Na prática, se temos 100 quartos disponíveis em determinada semana e apenas 50 proprietários utilizando, os outros 50 vão para um pool hoteleiro, distribuído pelo canal direto de vendas e OTAs. Essa é a lógica”, adianta Caliari.

Concorrência forte

O Nordeste é a região mais popular quando o assunto é resort no Brasil, e a chegada de grandes complexos vai dar diversificar essa oferta. Segundo Aldrigui, é esperada uma briga por fatia de mercado. “Haverá um movimento para igualar os preços, que mexe com a cadeia de toda a operação, e uma competitividade entre produtos com o mesmo tipo de demanda. Isso pode gerar uma guerra de preços no início e a disputa tarifária deve durar de seis meses a um ano para depois se estabilizar”.

A previsão é que mais investimentos deste gênero ganhem força, de acordo com Calfat. “O mercado está bem aquecido e vão surgir vários outros projetos semelhantes. Principalmente em destinos desconhecidos, é possível construir um resort com capital próprio e depois vendê-lo como multipropriedade, que podem estar associadas a um grupo de intercâmbio”.

Fonte: Revista Hotel News