Multipropriedade corre risco com a entrada de “aventureiros”

Alguns players estão entrando no principal modelo de expansão da hotelaria brasileira de forma abusiva, vendendo frações sem registro de incorporação imobiliária ou mesmo com a promessa de ser um produto de rentabilidade

A multipropriedade é um verdadeiro quebra cabeça onde as peças ou as frações devem se encaixar (Foto: F. Muhammad por Pixabay)

Muitas pessoas devem conhecer o ditado popular: “Devagar com o andor, o santo é de barro”. Esse cuidado se explica pelo fato de que o andor (instrumento em forma de padiola portátil geralmente de madeira e ornamentada utilizada em cortejos religiosos) pode estar podre ou comprometido pela ação dos cupins. E se a procissão seguir rápida, chacoalha o andor e o santo que é feito de barro cerâmico, pode cair no chão e se quebrar e ai acaba a procissão. Esse ditado serve perfeitamente no mundo dos negócios para quando alguém está indo além do razoável como está acontecendo no modelo da multipropriedade. Como essa é a principal alavanca para a construção de novos hotéis e um dos melhores negócios da construção imobiliária no Brasil, pois é possível vender um mesmo apartamento para até 52 donos, muitas empresas resolveram entrar. Desde 2018, o crescimento médio anual de lançamentos de nos empreendimentos é de 24% ao ano. Um cenário tão promissor, que é regulamentado pela Lei 13.777/2018 e que gerou um VGV – Valor Geral de Vendas em mais de R$ 28 bilhões no ano passado, conforme dados da Caio Calfat Real Estate, merece atenção para que continue crescendo de forma saudável e sustentável.

A multipropriedade turística tem possibilitado a centenas de milhares de famílias o sonho da casa de férias. É, portanto, um produto eminentemente de lazer voltado para o uso, não cabendo o argumento de venda para rentabilidade. Produtos de rentabilidade, seja ela fixa ou variável, são regulamentados pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários e precisam ser autorizados por ela. Qualquer publicidade de empreendimentos fracionados nesse sentido deve ser combatida, já que não é a finalidade do produto. Mas o que está se vendo no mercado são algumas empresas que mesmo sem saber como funciona, estão entrando nesse negócio preocupadas somente com o lucro e cometendo um crime bastante sério. Nem sequer registro de incorporação possuem e esse é um documento essencial, pois garante que a construção de um imóvel está de acordo com os parâmetros da lei e devidamente validado para venda. Se a ação de venda e entrega do que foi prometido não deixar os investidores contentes, é simples, essas empresas aventureiras pelo lucro saem do negócio e vão procurar outras formas mais rentáveis, ou no linguajar popular, o pega bobos. E quem perde com isso são os players sérios que atuam nesse segmento e macula muito a imagem dessa alavanca de recursos hoteleiros, como aconteceu com o modelo condo hotel na época da Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil. Basta ir na região da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte ou em outras granes capitais e ver o estrago que muitas construtoras e incorporadas fizeram e desapareceram. Com isso, houve muitos investidores lesados e a justiça está abarrotada de processos para julgar e tentar encontrar os culpados.


Especulação imobiliária

E depois de tanto estrago na imagem do “tijolinho imobiliário” do condo hotel, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários resolveu agir e disciplinar a questão, mas agora arrumar investidor nesse modelo de negócio está cada vez mais difícil. E isso pode acontecer com a multipropriedade, pois basta visitar Caldas Novas (GO), Olímpia (SP) ou mesmo Gramado (RS), que são os grandes destinos da multipropriedade do setor, e verá alguém oferecendo cota de multipropriedade com rentabilidade garantida. Mas fica a questão: Isso é o famoso papo de vendedor que está pensando somente na sua comissão de venda ou tem alguém por trás incentivando essa prática? Como essa venda na maioria das vezes é agressiva e de impacto, principalmente em casais que vislumbram destinos de férias, após a venda, muitas vezes conseguir o distrato não é tarefa fácil mesmo tendo a favor o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. Ele diz claramente que o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço. Mas na prática, muitas empresas dificultam ao máximo o distrato e basta fazer uma pesquisa em site como Reclame Aqui, do IDEC e ou do consumidor.gov.br.

A multipropriedade alavancou o desenvolvimento da cidade de Olímpia (SP)

O Manual de Melhores Práticas de Multipropriedades Turísticas, lançado em 2019 pelo SECOVI/SP, e que está sendo atualizado, foi justamente para coibir essas práticas abusivas e nortear os futuros projetos. O objetivo foi apresentar as diretrizes para o crescimento sustentável e equilibrado deste tipo de empreendimento, desde a sua concepção até a operação, passando por todo o processo de planejamento e desenvolvimento da obra. E visando firmar um compromisso de transparência entre os players do setor, a ADIT Brasil – Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil lançou recentemente um manifesto ao mercado chamado Multipropriedade – Maturidade a um jovem e promissor mercado. E nele é mencionado que: A multipropriedade não é uma modalidade simples e necessita ser tratada de forma extremamente profissional, pois envolve diversas etapas de negócios bastante distintos, como incorporação imobiliária, técnicas de timeshare, gestão de carteira, hotelaria, administração condominial e trabalha com conceitos da economia compartilhada.

O Presidente da ADIT Brasil, Caio Calfat, que também é Vice-presidente de Assuntos Turísticos e Imobiliários do SECOVI/SP, que deu uma grande contribuição para a regulamentação da Lei 13.777/2018 da multipropriedade se diz preocupado com os players que estão denigrindo a imagem dessa modalidade de negócio e aconselha. “Qualquer novo player deve conhecer a fundo a lei de multipropriedade, o manual de multipropriedade, pois ali ele irá conhecer quais são os prestadores de serviço e quais as fases que ele terá de percorrer para desenvolver a multipropriedade da forma correta, e quem e quando ele deve procurar. O arquiteto, o consultor, o advogado, a rede hoteleira, o comercializador. É essencial ter informação da hotelaria e do setor de incorporação e conhecer, por exemplo, a lei de incorporações imobiliárias, a 4591/64. Deve conhecer a lei geral do turismo, deve conhecer a parte jurídica, que envolve desde a formulação do memorando-incorporação até os contratos com compradores, operadores hoteleiros, enfim, tudo que está explicado no manual. Em mercados tão jovens, um aventureiro é capaz de contaminar players sérios”, enfatiza Calfat.

Caio Calfat: “Qualquer novo player que deseja entrar nesse modelo de negócio deve conhecer a fundo a lei de multipropriedade” (Foto: Divulgação)

Registro de incorporação é essencial

Ele deixa um alerta para quem deseja adquirir uma cota de multipropriedade. “O mesmo deve exigir na assinatura do contrato o registro de incorporação, mas se não existe esse registro, pode ser feita uma denúncia do Ministério Público, como no caso da CVM – Comissão de Valores Mobiliários que será obrigado a atuar. E nesse caso é muito provável que se peça a prisão do responsável pela incorporadora e também deve acontecer o embargo do empreendimento vendido sem incorporação. Então a fiscalização quem faz é o próprio comprador. Ele entra no site do empreendimento, no site do registro imobiliário, e não encontrando o registro de incorporação, ele denuncia no Ministério Público. O que aconteceu, fazendo um paralelo entre condo-hotel e a CVM, obrigou a incorporadora a registrar no site do empreendimento, todos os documentos, inclusive a incorporação imobiliária. Então, o comprador do condo-hotel já tem tudo isso no site, registro da incorporação, estudo de viabilidade, propagandas, contrato de compra e venda, e isso acabou sendo bom para o mercado e o tornando mais confiável. Na multipropriedade não temos isso, então o principal fiscal é o comprador mesmo”, lembra Calfat.

Outro ponto que ele destaca como merecedor de atenção é a modalidade de captação e vendas sob pressão. “Já são significativas as iniciativas por um modelo de comercialização mais soft, de players que começaram a entender que os cancelamentos são proporcionais à pressão utilizada na mesa de vendas. Se queremos melhorar nossos índices de distratos, garantir mais satisfação do consumidor e que este efetivamente use o produto, o que depois impacta na operação do projeto, precisamos repensar nosso modelo de vendas”.

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Confira mais alguns tópicos que são abordados nessa matéria – Quer saber  como a CVM – Comissão de Valores Mobiliários se posiciona sobre o assunto? Como fazer reclamações, denúncias e outras demandas para a Autarquia sobre alguma irregularidade; Conheça os aspectos jurídicos sob o ponto de vista da Advogada Márcia Rezeke; Como são treinadas e qualificadas as pessoas que comercializam essas frações na análise de João Paulo Mansano, Sócio diretor da New Time; O porque que acontece muitos distratos; Quem adquire frações  de multipropriedade é fácil depois revender;  Como a Interval, um dos maiores players mundiais que atuam no segmento da propriedade compartilhada enxerga essa questão sob o ponto de vista de seu Diretor executivo no Brasil, Fernando Martinelli; Porque as empresas tem de possuir lastro financeiro para operação; Como fazer a securitização de recebíveis e da tokenização; Como deve ser relacionamento de ponta com cliente, o uso da Inteligência Artificial e de modelos preditivos adotados pela WAM Group….

Fonte: Revista Hotéis