Especial Revenda de Multipropriedades
O mercado de vendas secundárias deverá crescer nos próximos anos, mas há muitas dúvidas de como será realizada a comercialização e se haverá valorização das frações imobiliárias
O mercado de multipropriedade é um sucesso na comercialização, com as operações comerciais registrando recordes atrás de recordes nas vendas das frações imobiliárias. Não restam dúvidas de que o modelo de férias da multipropriedade, que democratiza as viagens, permitindo que mais pessoas tenham oportunidade de se hospedarem em resorts de alto padrão, caiu no gosto popular.
Porém, o produto multipropriedade também é um produto imobiliário, com escritura e registro em cartório. Como todo imóvel, o proprietário pode vendê-lo, tentando reaver o valor investido ou até esperando uma valorização do mesmo.
Até o momento, nenhum desses cenários está acontecendo – reaver o valor investido ou valorização do imóvel – pois simplesmente os proprietários de multipropriedades não conseguem vender as frações imobiliárias.
De acordo com o estudo Cenário de Desenvolvimento de Multipropriedades 2021, elaborado pela Caio Calfat Real Estate Consulting, há 128 empreendimentos de multipropriedades no Brasil (em fase de lançamento, construção ou em operação) e um total de 536.439 frações imobiliárias, nas quais 51% já foram comercializadas, restando 49% em estoque, resultando em aproximadamente 270 mil proprietários de frações imobiliárias no país.
Alguns multiproprietários já anunciam o interesse de vender suas frações nas redes sociais e grupos de Whatsapp e Telegram, também há algumas plataformas on-line que oferecem esse trabalho de venda secundária. Mas nenhuma dessas ações está obtendo resultados efetivos. Ainda há muita dúvida de como deve ser realizada a revenda, como anunciar, como encontrar compradores interessados em multipropriedades e sobre valores: se deve ser no valor que foi pago, se há valorização ou com preço mais baixo.
O presidente da ADIT Brasil (Associação para Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil), Caio Calfat, explica que a revenda de multipropriedades ainda está em fase embrionária já que a comercialização da primeira venda pelas incorporadoras ainda está muito forte. “O mercado primário ainda não se esgotou. Não terminaram as vendas mesmo dos empreendimentos já entregues’’.
Para a empresária e advogada Maya Garcia Câmera, a revenda de multipropriedades se fortalecerá a medida que as salas de vendas forem encerrando as vendas primárias dos empreendimentos, passando a performar somente para repor as cotas que são “devolvidas” ou revendidas para o inventário. “O mercado poderá sim se estruturar para a revenda particular dessas propriedades adquiridas (ou dos direitos aquisitivos), em condições melhores do que se o adquirente tivesse que pagar as penalidades da rescisão do contrato ou mesmo perder valor na revenda para a incorporadora ou a empresa comercializadora”.
A advogada acredita que o mercado de revenda irá se desenvolver mais conforme os consumidores forem adquirindo mais conhecimentos sobre o modelo de férias da multipropriedade. “Os consumidores poderão escolher qual empreendimento, dentre todos os destinos turísticos, calendários, formas de uso, divisões de semanas, taxas condominiais, serviços, redes de intercâmbio etc, será mais condizente com o que desejam para suas férias/segunda residência. Por isso, creio que salas de revenda multiprodutos serão uma cartada inteligente para o futuro da multipropriedade”.
Valorização da Multipropriedade
O diretor executivo da Interval International no Brasil, Fernando Martinelli, aponta que o fato de que o mercado primário da multipropriedade tende a demorar para se esgotar, por conta das altas taxas de distratos, prejudica a valorização dos imóveis de férias compartilhados. Ele faz uma ressalva que em destinos em que não há mais lançamentos e a demanda turística é muito aquecida pode acontecer uma valorização da multipropriedade. “Este é um negócio que o desenvolvedor normalmente fica no projeto por bastante tempo, há muita desistência e cancelamento e isso faz com que os empreendimentos permaneçam em vendas por longos períodos, por causa disso, o mercado de revenda normalmente trabalha com valores menores que os lançamentos”.
Como um dos grandes motivos do sucesso de vendas de multipropriedades são as condições de pagamento, com os valores de entrada e parcelas baixas, é muito difícil para multiproprietários que desejam vender suas frações competirem com a comercialização nas salas de vendas das próprias incorporadoras. “Como o mercado primário ainda está latente, o secundário deve ter vantagens como preço ou prazo”, afirma Caio Calfat.
O presidente da ADIT Brasil indica que produtos especiais, como mega resorts com diferencias no mercado, em destinos super desejados, que não são apenas produtos regionais, mas nacionais, podem se valorizar mais na revenda. Ele exemplifica com o Hotel Nacional, por estar no Rio de Janeiro e ter o projeto arquitetônico de Oscar Niemayer, e também os empreendimentos da marca internacional Hard Rock Hotel. “Mas para isso ocorrer não pode haver mercado primário”.
Outra situação apontada por Caio Calfat que pode valorizar a multipropriedade, ou pelo menos não desvalorizar, e uma gestão eficiente do empreendimento, que não o deixe depreciar com o tempo. “Se tiver uma reserva de reposição de ativos condizentes com o que precisa ser reposto, mesmo em relação a obras de manutenção, setor estrutural do prédio, se for bem gerido, pode haver uma valorização”, afirma o executivo. “Bandeira hoteleira forte também ajuda, já que a bandeira exige uma gestão e reposição, isso valoriza o imóvel, a marca exige qualidade, se não rompe o contrato com o empreendimento”.
Maya Garcia também enxerga que a valorização das multipropriedades estão atreladas a entrega e gestão dos empreendimentos e valorização do destino turístico, mas também da consciência dos proprietários. “Mas o primeiro movimento para isso é a própria consciência do proprietário/adquirente de valorizar seu patrimônio, mesmo que ele não lhe seja mais útil em algum momento da vida, e não o banalizar, doando ou vendendo a preço simbólico”.
Revenda no exterior
A experiência da revenda de multipropriedades em mercados mais consolidados e maduros no exterior, como nos Estados Unidos e México, mostram um nada animador cenário para vendas secundárias no Brasil. Apesar de existir de fato um mercado secundário para o timeshare, com empresas especializadas nesta modalidade de comercialização, é muito comum uma desvalorização das frações.
De acordo com a empresa Sell My Timeshare Now, normalmente uma cota no mercado de revenda é comercializada por 50% do valor original pago pelo proprietário, às vezes por apenas 20% ou 30%, e em raras exceções ocorrem uma valorização real do timeshare.
E ainda há casos de proprietários que querem se livrar da propriedade e do pagamento das taxas de manutenção de qualquer maneira e colocam suas propriedades à venda por apenas um dólar.
“Em mercados maduros e consolidados como EUA e México existem muitas revendas, muitas vezes a revenda é uma alternativa ao comprador que quer se desfazer do negócio, mas um problema para os empreendimentos que ainda estão em vendas, há casos em que a revenda é feita apenas pelo repasso da taxa de manutenção”, conta Fernando Martinelli.
Maya Garcia reconhece este “fenômeno” de banalização das cotas no exterior, mas também indica que há empreendimentos que conseguem ter valorização nas revendas. “No exterior vemos empreendimentos mais customizados de acordo com nichos mais específicos de consumidores, o que tende a fidelizar ainda mais o proprietário/adquirente e gerar um mercado de revenda mais específico e bem-sucedido”.
Mercado secundário do Condomínio Paúba-Canto Sul
O primeiro empreendimento de multipropriedade do Brasil a ser bem-sucedido comercialmente e operacionalmente, o Condomínio Paúba-Canto Sul, em São Sebastião (SP), pode indicar um caminho para um mercado de revenda de multipropriedade no país.
Lançado na década de 1980 pela família de Maya Garcia Câmera, o Paúba-Canto Sul conta uma gestão eficiente do empreendimento, em que os proprietários valorizam seus imóveis de férias. “O Condomínio Paúba-Canto Sul ainda é um exemplo fora da curva no Brasil. Nele, as cotas ainda são negociadas em mercado secundário em preços bastante valorizados e até mesmo com parametrização em dólar, mesmo 40 anos depois da aquisição originária. Isso se justifica em razão de um forte trabalho de valorização do patrimônio pelos condôminos, pela participação ativa dos mesmos nas decisões do empreendimento, pela entrega de um grau maior autonomia pelo administrador em relação às customizações das unidades e pelo viés mais focado na utilização como segunda residência mais do que no aspecto hoteleiro puro do negócio”, conta a empresária.
Mercado continua forte e em expansão
O mercado internacional de timeshare também aponta que apesar da desvalorização das cotas na revenda, não há uma depreciação do mercado como um todo, já que as indústrias de vacation ownership nos EUA e México continuam fortes, com boas vendas, novos lançamentos, inovações e boas ocupações dos resorts.
Caio Calfat também acredita que o “fenômeno” da desvalorização não irá contaminar todo o mercado brasileiro, pois a multipropriedade continua sendo vantajosa como um modelo de férias, independente de valorização patrimonial. Ele cita que o mercado imobiliário convencional também sofre com desvalorização dos imóveis.
“Imóvel tem depreciação, se está localizado em um destino que era valorizado e hoje não é mais, o preço cai”.
Como mercados de vacation ownership mais maduros tiveram que passar por essa fase da desvalorização e criar novos negócios e benefícios para os consumidores para continuarem em expansão, o mercado de multipropriedade no Brasil também deverá evoluir e amadurecer com as vendas secundárias.
“É algo que todo o segmento só tem a ganhar. Primeiro, pela perpetuação e sedimentação como um negócio jurídico de longo prazo. Segundo, porque todos os atores envolvidos tendem também a ganhar: o incorporador que pode ver a operação de vendas encerrada; o comercializador, que pode servir como intermediador multiproduto em um novo nicho de mercado; o condomínio, pelo menor índice de inadimplência e abandono de unidades; pela intercambiadora de férias, que tem um adquirente ativo e que se aproveita dos benefícios a que faz jus, fora outros atores que podem se especializar somente em revenda multiproduto de cotas em multipropriedade”, conclui Maya Garcia Câmera.
FONTE: Turismo Compartilhado