Com a crescente da economia compartilhada, cresce também demanda por multipropriedade
O conceito de economia compartilhada não é novo para o mercado imobiliário. O crescimento do aluguel, de empresas como Airbnb e dos escritórios de coworking evidencia a expansão, entre os consumidores, da valorização da experiência, em detrimento à posse integral do imóvel. E este cenário é solo fértil para o setor de multipropriedade brasileiro – e dos investidores.
De 2016 a 2019, o setor registrou crescimento anual de 26% no número de empreendimentos lançados. E continua crescendo no país. “O importante, ao falar de multipropriedade no Brasil, é apontar como esse é um setor que cresceu. Há 10 anos, não havia multipropriedade no Brasil. Hoje, já temos cerca de 120 empreendimentos em todo o país”, aponta Caio Calfat, especialista no setor.
Para quem não está familiarizado com a multipropriedade, este é um formato de venda de segunda residência por frações. Estas frações são determinadas por semanas de usufruto: uma pessoa pode comprar duas, quatro, seis semanas de um imóvel, que é compartilhado com outros investidores. Além de ter a escritura do imóvel (grande diferença do formato timeshare, comum no setor hoteleiro, no qual o cliente compra o tempo para usufruir de um hotel), o cliente conta com a manutenção desta propriedade no pós-venda. “A multipropriedade é como se você comprasse um apartamento com outros 11 amigos e cada um fosse passar um mês nele”, resume Fábio Sampaio Neri, sócio da incorporadora VCI.
Quais são as particularidades da multipropriedade?
Um dos desafios do mercado imobiliário ao explorar o formato da multipropriedade é entender suas particularidades e a aproximação com o setor de turismo. “Como não é um imóvel para residência permanente, a multipropriedade necessita de demanda, de interesse das pessoas por estar nesse local. A exemplo de Garopaba (no litoral sul de Santa Catarina): é um destino turístico, mas não é de ano inteiro, é sazonal. Ao trazer o Surfland com uma piscina de ondas, temos um atrativo para que o local se torne um destino 12 meses por ano”, comenta Jeferson Gralha, diretor comercial da Surfland Brasil.
A multipropriedade também tem sido responsável por desbravar outros caminhos e gerar novos locais turísticos. “Metade dos destinos onde estão sendo construídos esses novos empreendimentos eram destinos desconhecidos. Ou seja, a multipropriedade está sendo referência para criar novos destinos turísticos no país. E isso é muito difícil de acontecer com outro tipo de empreendimento. Um hotel, por exemplo, em um destino desconhecido, leva muito tempo para ganhar tração”, explica Caio.
Isso porque os empreendimentos de multipropriedade podem vir acompanhados de equipamentos, como é o caso do Surfland. Mais ainda: começa-se a se descobrir novos nichos, como multipropriedades ancoradas em parques temáticos e aquáticos, multipropriedades com foco no campo, multipropriedades para maduros, e por aí vai… “O tipo de equipamento que o empreendimento tem (uma piscina de ondas, uma pista de kart, um píer com lancha, cavalos, vinhos, parque aquático) ou destino (localização do imóvel, por exemplo), tem um custo mais elevado, mas justifica as pessoas pagarem um pouco mais, pois naquelas semanas que a família for utilizar, estará super bem servida para ter suas necessidades atendidas”, avalia Gralha.
E há também a multipropriedade ancorada por grandes marcas, como é o caso do Hard Rock Hotel. É a incorporadora VCI que está à frente dos projetos da grife no Brasil, sendo que os primeiros estão previstos para serem construídos em Fortaleza e no Paraná, próximo a Londrina. “Quando decidimos investir em multipropriedade, procuramos uma marca que nos desse credibilidade. Trabalhar com uma marca de tanto renome nos traz duas vantagens: temos uma conversão em vendas significativamente maior, uma vez que, muitas vezes, nosso cliente olha para o Hard Rock e não para a VCI; e temos um aumento do nosso VGV por conta do valor da marca”, conta Fábio.
Os desafios envolvendo o setor de turismo não param na construção e venda do imóvel. É importante que este empreendimento tenha preocupação com aspectos mais ligados à hotelaria, como qualidade dos colchões e manutenção dos equipamentos de diversão, para manter o cliente engajado.
Além disso, é essencial que o empreendimento seja filiado a uma intercambiadora. Assim, a pessoa consegue trocar suas semanas no seu imóvel por pontos que lhe darão oportunidade de hospedagem em outros hotéis. “Ao filiar-se a uma intercambiadora, o consumidor tem a possibilidade de fazer intercâmbio de estadia. Ao invés de comprar um apartamento de praia que você vai ter que ir para o mesmo destino todo o ano, na multipropriedade você consegue trocar suas semanas na sua multipropriedade por resorts ao redor do mundo”, explica Gralha.
Aí, é quando a multipropriedade e o modelo timeshare se aproximam, mas o cliente final continua com o registro do imóvel – um diferencial que o consumidor brasileiro aprecia.
Para quem compra, é mais barato. Para quem vende, mais rentável
Ao mesmo tempo em que a comercialização da multipropriedade junto a vários clientes é o que aumenta o VGV e é uma das grandes vantagens para uma incorporadora, é também um desafio. “Em vez de ter 100 apartamentos e ter que vender para 100 clientes, você vai dividir por frações e vai ter 2600 frações. Ou seja, 2600 famílias. Não é qualquer destino, não é qualquer produto que tem um engajamento que torna viável essa comercialização em um tempo que justifique o investimento”, afirma Gralha.
Já Caio explica que uma das principais motivações de quem compra multipropriedade é o fator aspiracional: “Muitas vezes, é a família classe B-, que se vê na possibilidade de comprar um imóvel classe B+ ou A-. Essa família não tem como comprar um imóvel inteiro, mas pode comprar uma fração. E como segunda residência, também não vai usar em tempo integral”.
Gralha reforça: “A multipropriedade faz um upscale do serviço de hospedagem. O cliente substitui a casa de praia por um resort. Além disso, diferente de uma casa de praia, que o cliente paga 100% do imóvel e usa 10%, na multipropriedade o cliente paga 10%, mas usa 100% do que comprou. É um formato muito inteligente no aspecto de custo-benefício e potencializa o valor do ticket”.
Para Fábio, além disso, tira a obrigação de “aproveitar” o imóvel mesmo quando a família não quer. “A família que comprou a segunda residência sente quase obrigação de aproveitar o imóvel, de ir em todos os feriados, mesmo que não queira”, comenta.
Multipropriedade sobrevivendo à pandemia
Um dos setores mais afetados pela crise sanitária do coronavírus foi o turismo. Ainda assim, o setor da multipropriedade está conseguindo manter-se firme. Há alguns motivos: as pessoas continuam saindo de férias e, principalmente, dando prioridade para destinos locais, que sejam acessíveis de carro, sem a necessidade de viajar de avião.
Caio lembra de outro ponto: a alta do câmbio. “Com o dólar e euro nessas alturas, qualquer viagem para o exterior, quando for permitida, será desestimulada se o real continuar desvalorizado. Isso constrói um cenário muito bom para o brasileiro viajar dentro do país e para o estrangeiro vir passar as férias. Quem sabe, por que não o estrangeiro comprar uma cota de multipropriedade?”, questiona.
Na VCI, foi o investimento em canais omnichannel e presença digital forte que possibilitou acelerar as vendas. “De fevereiro para março, com a perspectiva e a chegada do coronavírus, aceleramos nossa plataforma de vendas online. Em agosto de 2020, tivemos a grata surpresa que já estávamos alcançando patamares de venda superiores a agosto de 2019. As pessoas estavam, ou melhor, ainda estão em casa, disponíveis e dispostas a investir no mercado imobiliário”, conta Fábio.
Legislação foi fundamental para o avanço da multipropriedade
Uma das grandes medidas que favoreceram o cenário para o setor de multipropriedade, no Brasil, foi a regulamentação deste mercado. Caio foi um dos principais atores à frente da Lei 13.777/2018, publicada no dia 21 de dezembro de 2018.
“Começamos a criar o texto da lei ali em 2014, 2015. Montei um grupo muito capacitado tecnicamente e com muita experiência, com empreendedores que já estavam vivendo esse momento, que estavam sentindo os problemas do formato, mas que individualmente não estavam conseguindo resolver por ser um mercado muito novo. Nosso objetivo era deixar o modelo com um arcabouço jurídico mais completo, propondo soluções para os pontos frágeis e problemáticos. E deu certo, a lei foi aprovada no apagar das luzes do governo Temer”, conta Caio. E ele reforça que percebe a necessidade de algumas atualizações: “De lá pra cá, já percebemos algumas mudanças que podem ser feitas, e montamos um grupo para discutir alguns pontos para promover ainda mais estabilidade para o setor”.
Fonte: Imobireport