Uma casa de férias, vários donos: compra coletiva de imóveis cresce no país

 

Nas multipropriedades, os vários donos têm períodos definidos por ano para utilizar o imóvel ou o complexo turístico.

 

Comprar o direito a uma semana de uso em um hotel ou resort não é ainda um conceito muito comum no Brasil. Mas a ideia de comprar coletivamente uma mesma propriedade de férias com outros investidores e utilizá-la em sistema de rodízio é uma prática já muito comum nos EUA e parte da Europa.

Embora pouco tradicional por aqui, a multipropriedade (ou fração imobiliária) é uma das diferentes maneiras de se investir em um imóvel para distintos fins. O conceito prevê múltiplos donos para um mesmo imóvel, com direitos iguais ou equivalentes de uso sobre o mesmo.

Regularizada e legalizada no Brasil em 2018, por meio da lei nº 13.777, a multipropriedade começa a ganhar a atenção de brasileiros como prática de aquisição de férias ou tendo em vista a possiblidade de mudar com frequência o endereço do home office.

Multipropriedade imobiliária na prática

 

Família brinca na piscina do Whyndham Olímpia, complexo turístico que adota o conceito de multipropriedade.

 

A multipropriedade de imóveis é um modelo de aquisição e aproveitamento de bens imobiliários através de investimentos coletivos, de maneira muito similar ao timesharing (tempo compartilhado). Em ambos sistemas, cada investidor adquire apenas uma parte, fração ou parcela de uma mesma propriedade, em uma espécie de compra coletiva imobiliária.

Ao ser dono de parte de um imóvel, cada investidor recebe também o direito de fazer uso deste imóvel pelo tempo proporcional à parcela que comprou.

Em muitos negócios, é comum que o valor total de um imóvel seja dividido em 52 cotas de aquisição, simbolizando as 52 semanas do ano. O investidor pode comprar uma ou mais cotas, e seus direitos de tempo e uso deste imóvel serão correspondentes a esse total. Por exemplo, se um investidor adquire quatro cotas de um total de 52, ele passa a ter direito de uso sobre 4 semanas deste imóvel por ano.

 

Apartamento do Hot Beach Suites, modelo multipropriedade do Hot Beach Parque & Resorts, em Olímpia (SP).

 

Uma pesquisa recente da Caio Calfat Real Estate Consulting aponta que o Brasil vive um momento "pulsante" para novos investimentos no setor. O levantamento apontou um crescimento médio de 24% nos últimos quatro anos no setor e um VGV (valor geral de vendas) potencial em 2021 de 17,36% a mais que em 2020. A aquisição de uma "semana" numa multipropriedade vale, em média, cerca de R$ 23 mil, segundo a pesquisa.

Embora multipropriedade e timesharing sejam usados frequentemente como sinônimos, legalmente existe uma diferença importante. A multipropriedade confere posse vitalícia sobre a cota adquirida do imóvel, que pode ser transmitida em herança. Já no timesharing, a "posse" dos investidores sobre uma parcela do imóvel costuma ter prazo de validade predeterminado, geralmente de 5, 10, 20 ou 30 anos, conforme estabelecido em contrato. Ler as letras miúdas antes de optar pelas propriedades compartilhadas é fundamental.

Quem aposta neste sistema

A multipropriedade costuma atrair diferentes tipos e perfis de investidores. Como cada um tem que arcar com uma parcela geralmente pequena do valor total do imóvel, não é difícil encontrar mais interessados para uma mesma propriedade.

Algumas pessoas utilizam este formato efetivamente para passar as férias no imóvel em questão; outros usam como investimento a longo prazo e o "alugam" para terceiros, como alternativa para capitalização; e alguns apostam no modelo de negócio como diversificação do seu portfólio de investimentos.

 

Entre os diferentes tipos de investidores, há as famílias que querem facilitar as decisões das férias.

 

Há modelos diferentes de multipropriedade, como acionária ou societária (com emissão de ações ordinárias, que podem ser comercializadas futuramente); complexo de lazer (focada em estrutura de lazer que pode ser utilizada pelos proprietários e investidores); e a hoteleira (foco 100% em turismo, com serviço de hospitalidade agregado e possibilidade de locação do imóvel).

A multipropriedade como ferramenta turística

Muitos investidores de apostam no negócio apenas como forma de investimento e esperam que suas "semanas" ou frações correspondentes de um imóvel sejam alugadas para viajantes em geral ao longo dos anos. Mas há turistas que começam a investir neste segmento buscando uma forma de simplificar as decisões de viagem nas férias, financiadas a longo prazo.

Para o turista que decide investir na multipropriedade como forma de financiamento das férias, possuir parcialmente um imóvel de temporada pode ser uma chance de "pagar menos" pelas férias em comparação com a compra tradicional de uma casa ou de apartamento de veraneio.

 

Alguns empreendimentos têm estrutura de lazer completa, mas gastos com manutenção devem ser levados em conta na decisão.

 

Mas é preciso lembrar que esse investimento pode muitas vezes representar, além do investimento "preso" no negócio com o aporte inicial, também diferentes custos mensais e anuais de manutenção e/ou financiamento. O modelo não funciona para viajantes que prezam máxima liberdade para fazer diferentes escolhas de destinos, hospedagens e tipos de viagem anualmente.

Para uma família que queira apenas escapar para a praia ou um resort urbano duas vezes por ano, por exemplo, pode ser um negócio interessante. Os gastos de manutenção do imóvel compartilhado são sempre rateados por todos os investidores da multipropriedade. Mas deve-se estar atento que a utilização está condicionada a períodos específicos do ano e a alta temporada tende a ser mais concorrida pelos sócios.

Um quarto de hotel próprio

Alguns sistemas de multipropriedade focados em turismo são oferecidos por redes hoteleiras presentes em múltiplos destinos, o que permitiria ao viajante-investidor a chance de passar férias anuais em uma cidade, estado ou até país diferente no qual a rede opera a cada ano. É muito similar ao modelo oferecido pela Disneyworld, que permite que seus usuários de timesharing utilizem qualquer um dos resorts do conglomerado compatíveis com a cota adquirida do negócio.

 

Nos resorts da Disney, a modalidade de timesharing permite utilizar diferentes complexos hoteleiros da marca.

 

O engenheiro Alastair Júnior, de São Paulo, optou há dois anos e meio por investir em multipropriedade, inicialmente seduzido pela possibilidade de contar com uma "casa de férias em vários lugares diferentes". Enxergou ali também uma forma de investir seu dinheiro de maneira disciplinada, gradualmente e a longo prazo, sem necessidade de um valor muito alto.

Com duas filhas, de 3 e 5 anos, ele e a mulher, Vânia, compraram cotas referentes a duas semanas de utilização por ano em uma rede de hotéis. Durante a pandemia, conseguiram usar o imóvel também como home office durante duas semanas.

Achamos que, com as meninas crescendo, seria bom contar com uma opção de escapada simples e mais garantida, com boa estrutura de lazer, sem precisarmos fazer grandes aportes financeiros na hora de tirar férias"

Júnior também acredita que o imóvel poderá ser uma fonte de renda alternativa no futuro. "Quando elas crescerem e passarmos a fazer outro tipo de viagens, podemos alugar nossas semanas no resort para outras pessoas, garantindo alguma renda extra", acredita.

A multipropriedade na hotelaria brasileira

A cidade de Olímpia, localizada a cerca de 430 quilômetros da capital paulista, é o destino que reúne mais opções diferentes deste modelo de negócio no Brasil — e também foi uma das pioneiras do sistema no país.

O Hot Beach Suites é o modelo multipropriedade do Hot Beach Parque & Resorts, do Grupo Ferrasa. Associado à RCI (que conta com hotéis em cerca de 100 países), o grupo foi quem primeiro trouxe o conceito com foco em turismo para o Brasil. Com 442 apartamentos, o Hot Beach Suites propõe uma "casa de férias" com capacidade para até oito pessoas em cada unidade, bem ao lado do parque aquático, com acesso liberado durante toda a estada.

 

Suíte do Hot Beach Suites, que tem a proposta de "casa de férias" para famílias.

 

A finalidade principal ali é utilizar em família. O proprietário pode fazer uso de suas semanas/parcelas do imóvel tanto no Hot Beach quanto em qualquer outro hotel ou resort da rede RCI no Brasil ou no mundo. Quem não quiser usufruir, pode alugar suas semanas a terceiros por meio da administradora hoteleira.

O grupo Wyndham também opera parcialmente em sistema de multipropriedade. No Brasil, o grupo gestiona, dentre outras propriedades, o Wyndham Olímpia Royal Hotel, um imenso resort que garante acesso ao parque aquático Thermas dos Laranjais, um dos mais visitados do mundo — também associado à gigante RCI, que conta hoje com mais de 3,7 milhões de associados no mundo.

 

Wyndham Olímpia, ao fundo, visto do Parque Thermas dos Laranjais.

 

A Enjoy Hotéis e Resorts possui dois dos maiores empreendimentos do segmento de multipropriedade no Brasil, também localizados em Olímpia: o Enjoy Olímpia Park Resort, o primeiro na cidade 100% no modelo de uso compartilhado, e o Enjoy Solar das Águas Park Resort. Ambos ficam anexos ao Thermas dos Laranjais.

Outras propriedades no Brasil, como Beach Park, em Fortaleza; Thermas Hot World Resort, em Águas de Lindóia; Gramado Thermas Resort & Spa, em Gramado; e Thermas São Pedro Park Resort, em São Pedro, também têm opções de multipropriedade ou fração imobiliária para viajantes e investidores.

Mercado aquecido impulsiona empresas especializadas

A LiváHotéis e Entretenimento acaba de assinar, em outubro, seu primeiro contrato com o Grupo Lagoa Quente, de Caldas Novas (GO), para tocar um dos maiores complexos de multipropriedade do país. "Hoje, no mercado brasileiro, somos a primeira operadora independente que oferece um serviço direcionado ao segmento de forma disruptiva e com foco na experiência", afirma Beto Caputo, presidente da Livá.

O Lagoa Eco Towers, administrado pela empresa, terá área verde de mais de 40 mil m2, além de praia artificial e parque aquático com conceito sustentável. Com valor geral de vendas (VGV) superior a 500 milhões de reais, terá 480 apartamentos no total e deve entregar a primeira fase (120 apartamentos) no primeiro trimestre de 2022.

O mercado de multipropriedade está atualmente tão aquecido no Brasil que a Livá sozinha prevê assinar ao menos mais sete contratos deste nicho nos próximos meses, somando mais mil e quinhentos quartos ao seu portfólio. As regiões do Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul são as principais praças de atuação dos novos contratos deste segmento turístico.

Fonte: UOL