Selic: o que a alta da taxa diz sobre o desenvolvimento hoteleiro?

Por Nayara Matteis

* Com colaboração de Vinicius Medeiros

Em um novo capítulo da novela econômica do país, mais preocupações para a hotelaria. Como se não bastassem os altos índices de inflação, que seguem deprimindo as margens dos empreendimentos, o setor precisa lidar com mais um coeficiente nada bem-vindo: o aumento da Selic, a taxa básica de juros. Com o dinheiro chegando mais caro às mãos de investidores e desenvolvedores, o risco de paralisação no já afetado pipeline de novos projetos é um fator a ser considerado.

Ontem (2), o Copom (Comitê de Política Monetária) elevou a Selic de 9,25% para 10,75% ao ano, no fim de um ciclo com a taxa em um dígito, que já durava cinco anos. Se de um lado aplicações em renda fixa voltam a ganhar atratividade, investimentos de maior risco perdem terreno. No caso da hotelaria, conhecido investimento de longo prazo, como fica essa balança?

Para Mario Okazuka, diretor de Gestão da MAM Asset Management, que tem atuação em alguns projetos hoteleiros, o aumento foi pontual e aponta para um futuro de taxas mais baixas a partir do ano que vem. “Quando olhamos a partir de 2023, por exemplo, projeções já colocam a taxa de volta para um dígito. Agora, sim, a Selic a 2% que talvez seja um ponto fora da curva dentro da nossa história. É, portanto, um aumento necessário para o momento que vivemos.”

Segundo o último balanço divulgado pela HotelInvest, existem no Brasil 147 empreendimentos hoteleiros em desenvolvimento. E, por mais que o aumento da taxa de juros represente a elevação do custo de capital, Pedro Cypriano, sócio-diretor da consultoria, pondera que, na prática, a Selic não deve dificultar novos investimentos no setor.

“Já vivíamos um cenário modesto por conta da pandemia e da economia fragilizada. Ou seja, o panorama de investimentos e desenvolvimento já era ruim. Agora, devemos observar nos próximos anos decisões mais seletivas, em praças que tragam maior valor agregado aos empreendedores”, avalia Cypriano.

Lazer x corporativo

Cypriano: Selic não deve ser tão relevante no setor

Com uma visão mais conservadora do panorama atual, Caio Calfat, presidente da Caio Calfat Real Estate Consulting, diz que ainda é cedo para bater o martelo de qual será o real impacto da volta da Selic a dois dígitos no setor hoteleiro. Apesar da situação controversa, ele afirma que o segmento de lazer seguirá firme em seus projetos de desenvolvimento, enquanto o corporativo pode sentir com mais intensidade a alta.

“A hotelaria corporativa estava conseguindo subir a diária média e a ocupação no fim de 2021. Então veio a Ômicron, que congelou essa melhora. No lazer, o cenário foi positivo e um bom período para desenvolver novos produtos. Ainda assim, em linhas gerais, a situação do setor é ruim há quase 10 anos, desde a superoferta da Copa do Mundo de 2014”, relembra Calfat. Com a escalada da Selic, o executivo acredita que investidores que apostavam no setor hoteleiro podem retornar ao mercado de capitais.

Com elementos que apontam para um cenário modesto, Cypriano salienta que as oscilações da Selic não preocupam investidores qualificados, pois os mesmos acompanham as curvas de longo prazo. “Quando esse recorte investe, ele tem uma perspectiva de retorno entre uma e três décadas. Para esse perfil, a Selic pouco importa. Diante de tudo que estamos vivendo, a economia real é o maior problema.”


Captação de recursos e novos projetos

Para seguir em frente com investimentos e novos negócios, os desenvolvedores podem passar a buscar outras alternativas para obter recursos. Okazuka explica que, em 2019 e 2020, gestores de fundos de CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários) conseguiram muitas captações.

“Vale destacar que são geralmente operações que fazem amortizações mensais ou trimestrais, com entrada de caixa recorrente nesses fundos, o que demanda a necessidade de aquisição de novos títulos e papéis. São, portanto, atrativos neste momento, mesmo para a hotelaria tradicional”, explica. “Isso porque a operação hoteleira está mais eficiente e, a depender da praça e tipo de produto, as margens aumentaram. Ainda assim, as captações para projetos hoteleiros tradicionais greenfield nesse veículo tendem a ser mais difíceis, ao contrário de hotéis em fases mais avançadas. Fundos imobiliários especializados também podem ganhar espaço”, completa Okazuka.

Proprietário e fundador da BSH International, José Ernesto Marino diz que a evolução do CRI se dará na proporção do aumento das atividades do setor. Com o financiamento privado ganhando mais espaço, os títulos de renda fixa podem ser mais relevantes. “Pode ser objeto não apenas de descontos de recebíveis de carteira imobiliária de venda de imóveis, mas também como suporte na compra de terrenos. Existe um movimento de crescimento desse título como fator impulsionador do mercado imobiliário”, pondera.

Marino acrescenta que a economia como um todo ainda não vive normalidade devido à pandemia. Para ele, contudo, inevitavelmente o movimento para o desenvolvimento de novas propriedades vai se estabilizar quando oferta e demanda voltarem a se equilibrar. “Alguns nichos de mercado estão sendo trabalhados, mas em linhas gerais, estamos fora da normalidade, de forma que a alteração da Selic não é tão relevante neste contexto”, complementa.

Multipropriedade

Multipropriedade deve ser menos afetada, diz Calfat

Não é à toa que a multipropriedade vem sendo amplamente escolhida por empreendedores para novos projetos. O segmento, que saiu com alguns arranhões da pandemia, também não deve ser duramente afetado pela taxa de juros. “São projetos vendidos para uso e não para investidores. Esse público vai continuar existindo e quer comprar. Pode até ser que alguns desenvolvedores repassem a Selic ao preço das frações, mas enquanto a velocidade das vendas permanecer, os empresários vão se sentir estimulados a criar produtos”, pontua Calfat.

Já Marino afirma que a capacidade de pagamento do cliente é o que dita o desenvolvimento de projetos de multipropriedade. “Não acredito que isso tenha grande impacto, pois o comprador não pensa na Selic na hora de fechar negócio”, afirma, destacando que o segmento mira um espectro amplo de consumidores. “Especialmente entre as classes B e C, esse consumidor final está apenas preocupado se a parcela mensal cabe no seu bolso”, completa.

Assim como Calfat, Marino aponta um efeito colateral da alta na taxa básica de juros. “Pode ser que haja um encarecimento no custo da produção do imóvel. Aí é uma opção do desenvolvedor diminuir sua margam ou ampliar o preço para repassá-lo para o consumidor final”, completa o fundador da BSH.

Com a Selic subindo numa tentativa de segurar uma inflação em curva ascendente, Cypriano é categórico ao dizer que o Brasil precisa de reformas, estabilidade política e econômica para que o mercado volte a se equilibrar. Em um ano eleitoral e de pandemia, sabemos que tranquilidade se tornou quase uma utopia. “Não é o que teremos a curto prazo. Essa falta de horizonte faz com que o investidor siga precificando taxas de juros altas. Não é a Selic que inviabiliza projetos, mas variantes da economia real e sua influência nos negócios”.

“Nas movimentações dos eventuais candidatos, os discursos estão direcionados mais ao centro, e o mercado está levando isso em consideração. Se olhar o comunicado do Copom de ontem (2), ele deixa em aberto o futuro, mas com uma mensagem que indica final de ciclo de alta. Trazendo para o mercado de real estate, o desenvolvedor tem que olhar para o longo prazo. São 36 meses de desenvolvimento do projeto e é necessário fazer contas em cima desse prazo. E, neste cenário, quem for começar a desenvolver hoje precisa ter capital, já que o custo do dinheiro está mais alto”, finaliza Okazuka.

(*) Crédito da capa: Reprodução/Creci-PB

(**) Crédito das fotos: Divulgação

Fonte: Hotelier News