Multipropriedade, vendas online e o pós-pandemia
Por Nayara Matteis
Se existe uma caraterística que a pandemia não deixa dúvidas, é o fato de ser uma crise democrática. Foram poucos os setores que passaram ilesos ou pouco afetados pela paralisação da economia. Enquanto a hotelaria caminha a duras penas para respirar perante tantas perdas, o mercado de multipropriedade também vive momentos de incertezas, porém enfrentando o momento de forma mais resiliente.
De fato, a indústria de propriedades compartilhadas leva algumas vantagens diante do cenário atual, e uma delas é a alta confiança do potencial dos negócios por parte dos investidores individuais. Um exemplo do otimismo do mercado brasileiro é a quantidade de empreendimentos abertos em plena pandemia, como é o caso do My Mabu, em Foz do Iguaçu (SP), Hot Beach Suites, em Olímpia (SP), entre outros projetos.
Se colocarmos na ponta do lápis propriedades a serem inauguradas, a lista vai mais longe ainda. Recentemente, a Louvre Hotels Group anunciou seu primeiro empreendimento de multipropriedade, ainda sem data de abertura, em Canela (RS). Já a VCI possui um pipeline de nove projetos do segmento para o Brasil. Em Santa Catarina, a Surfland segue firme com as obras para a construção de sua primeira unidade em terras tupiniquins.
No ano passado, o VGV (Valor Geral de Vendas) para o setor chegou a R$ 24,1 bilhão, alta de 5,93% frente a 2019, de acordo com a Caio Calfat Real Estate Consulting. A empresa deve divulgar os números para 2021 apenas em junho, mas Caio Calfat já compartilhou algumas de suas previsões para o ano com o Hotelier News.
“Além da entrada de novos empreendedores, estamos acompanhando um amadurecimento do mercado pelo fato de ter sobrevivido a duas grandes crises. É um momento de aprimoramento do setor em função dos bons resultados desse tipo de produto”, pontua Calfat.
Multipropriedade, VGVs e pipeline
Conforme citado acima, a VCI vem se mostrando uma protagonista do mercado brasileiro. Com VGV de R$ 6 bilhões e a promessa de trazer nomes de peso para o Brasil, como é o caso da Hard Rock Hotels, Fabio Neri, sócio da empresa, aposta fortemente em tendências de economia compartilhada.
“Acreditamos neste conceito como um caminho sem volta quando se trata de prestações de serviços. Hoje, observamos o aumento de coworkings, empresas de compartilhamento de automóveis, entre outros produtos de valor agregado como carros de luxo, lanchas e iates. Outro exemplo claro é o próprio Airbnb”, pontua Neri.
Com um VGV em construção de R$ 1,5 bilhão, a VCI rompe o padrão de projetos vistos em solo brasileiro até então com a chegada de empreendimentos temáticos e de alto padrão. “Estamos trazendo algo diferente para o mercado que é o Hard Rock. São bandeiras internacionais conhecidas, padrão cinco estrelas e de grande repercussão, o que é um diferencial para atravessar a pandemia”, complementa o executivo.
Em janeiro deste ano, o GR Group anunciou mais um projeto para sua conta, desta vez em Natal (RN). Com VGV de R$ 150 milhões, o Pitangui Beach Resort será a primeira incorporação imobiliária da empresa no Nordeste e a multipropriedade greenfield pioneira no mercado potiguar.
Além do resort, o grupo ainda adiantou que o projeto também ganhará um parque aquático, reforçando seu DNA voltado ao entretenimento. “Temos outros empreendimentos em estudo, visto que investimos em entretenimento como um todo. O projeto do parque já foi aprovado e, em breve, será lançado. Também vamos abrir novas unidades em Olímpia com o Royal Prime, com VGV de R$ 400 milhões”, revela Gustavo Rezende, CEO do GR Group.
No feriado de Páscoa, o WAM Group expandiu sua presença em Santa Catarina com a abertura do Solar Pedra da Ilha, com operação mista. Com forte atuação no segmento, a rede opera em nove praças e conta com 25 empreendimentos em seu portfólio, com mais de 2 mil UHs sob sua gestão.
“Não atuamos apenas na comercialização. Somos uma empresa verticalizada onde fazemos a venda, gestão de clientes, além de operação hoteleira e condominial. Não paramos de investir, pelo contrário, no final de 2020 captamos recursos para concretizar novos projetos. Entregamos o Praias do Lago, em Caldas Novas, com 420 UHs e o Solar Pedra da Ilha, com 102 unidades”, destaca Danilo Samezima, diretor de Estratégias e Novos Negócios do WAM Group.
De acordo com Samezima, o grupo fechou contrato para um projeto em Alagoas com mais de 750 apartamentos, além de um novos empreendimentos em Olímpia e na Serra Gaúcha. “Estamos vendo com bons olhos o volume de turistas domésticos, que já era pujante”.
Mudanças nas vendas
Uma das principais características da multipropriedade são as vendas de impacto, face to face. Com as restrições de circulação, empresas se viram obrigadas a investir em comercializações digitais, o que tem lá seus prós e contras. Para Samezima, não existe nenhum produto do segmento que se sustente apenas com o online. “Temos uma meta de vendas digitais que caminha entre os 5% e 10% globais, mas não mais que isso. É uma fatia relevante, mas o mercado não consegue se desenvolver apenas desta forma. Pode ser que no futuro isso mude, mas a curto prazo não vejo essa transformação”.
Para alavancar as comercializações em canais digitais, o WAM Group vem investindo em capacitações da equipe em sua universidade corporativa própria, alinhadas a um planejamento estratégico. “Essa sinergia entre o setor de vendas para os negócios presenciais e virtuais se encaixou bem. Criamos uma startup com expertise em comercializações online, mas é uma nova forma de vender. O corretor tradicional não é o mesmo que vai ter sucesso digital, salvo algumas exceções”, acrescenta o diretor.
Com um braço de vendas online, a 2share, a VCI também opera com salas itinerantes. “De janeiro a março vendemos R$ 90 milhões enquanto boa parte da concorrência estava zerada”, comemora Neri. “Investimos muito em omnichannel, que faz parte do DNA da empresa. Temos salas de vendas de impacto que captam clientes em pontos turísticos e avaliam sua qualificação”, complementa.
Segundo Neri, a 2share nasceu durante a pandemia com o intuito de captar leads pela internet e fazer a distribuição em canais de vendas. Para o profissional, é um caminho interessante para o setor, pois a empresa consegue trabalhar a venda de diferentes formas. “O cliente recebe as informações de forma automática com emails, mensagens no Whatsapp e no momento certo ele opta por ir para uma sala de vendas virtual. Isso acaba gerando uma compra mais racional do que emocional, o que é ótimo, visto que a multipropriedade tem um histórico grande de distratos e inadimplência”.
Com apenas duas salas abertas, o GR Group vem aprendendo novas formas de abordar possíveis proprietários. Atualmente, o online é responsável por 15% do VGV mensal da empresa. “Estamos observando um crescimento nas compras digitais. Temos um teto que conseguimos alcançar, o que nos deixa muito satisfeitos, mas não substitui o todo. São vendas com menor índice de cancelamentos, pois em média são 50 dias para o fechamento da compra. O cliente teve tempo de pensar e pesquisar, diferente da venda de impacto. O orçamento das pessoas foi fortemente abalado, então vemos muitos clientes que pedem para retomar a compra lá na frente”, explica Rezende.
Diante do cenário econômico do país, o GR Group vem operando com políticas mais flexíveis em suas tratativas. “No momento, temos que dar as mãos e não olhar só para si. Se cada um ceder um pouco, quando a retomada acontecer, nós conseguiremos manter o cliente e ele usufruir da sua fração”, avalia o CEO.
Já o WAM Group afirma que teve diversas solicitações de cancelamento, mas que com algumas alterações a carteira de clientes se mostrou resiliente. “Muitas pessoas perderam o emprego. Nossa carteira era corrigida pelo IGPM, que deu um salto e optamos por trocar pelo IPCA”, diz o diretor.
Perspectivas pós-pandemia
Segundo Calfat, a figura do empreendedor vem mudando aos poucos conforme o setor ganha espaço no mercado, o que abre portas para a chegada de mais players. “Mesmo com a pandemia, em função do conhecimento do segmento, esse tipo de produto se torna mais seguro. À medida que o modelo vai sendo aprovado, empreendedores ganham confiança jurídica e novos investidores aparecem”.
O presidente da Adit Brasil ainda ressalta que os velhos conhecidos da multipropriedade seguirão atuando no setor, além de destacar a boa performance que o segmento apresentou nos últimos meses. “Não tem ninguém saindo desse mercado, mas muitos estão chegando. É um aprimoramento natural. A multipropriedade não apenas sobreviveu, como também cresceu durante a pandemia. Estas são provas de que o mercado vem se superando ao longo dos anos e lá na frente terá vantagem em relação aos outros”, pontua.
Vislumbrando um cenário pós-crise, Rezende acredita que, devido à entrada de muitos players nos últimos anos, apenas aqueles que realmente possuem expertise no negócio vão se salvar. “O mercado estava muito aquecido e grandes grupos se consolidaram. Quando a pandemia acabar, teremos menos empresas atuantes no setor, mas todos seremos afetados financeiramente. Quem não tem fôlego e visão do negócio vai sair. Investidores de outros segmentos estão de olho e quando a situação melhorar novas empresas vão chegar”.
A fala é reforçada por Neri, que prevê também a fusão entre players em um futuro pós-crise. “Muitas empresas vão acabar se consolidando, outras se fundindo para somar forças e procurar novas oportunidades como opção de aumentar o pipeline”.
O diretor do WAM Group aposta na expansão de conversões e na adesão de resorts ao mercado de multipropriedade como forma de manter a operação em pé. “Os custos no Brasil são muito altos e o turismo sofre por conta das taxações e mão de obra. Desta forma, muitos resorts não abrem espaço para a classe média desfrutar. Acredito que empreendimentos passarão a democratizar mais devido às baixas ocupações”.
Fonte: Hotelier News