Multipropriedade: a complexa equação para garantir a sustentabilidade do setor

Por Nayara Matteis

Números volumosos, alta concentração de empreendimentos em determinados players, elevado estoque de projetos e um crescimento exponencial. Esses são os elementos principais que pautam o atual cenário do segmento de multipropriedade no Brasil. Ainda que o setor tenha se consolidado como um dos mais resilientes durante a pandemia e uma âncora sólida para a expansão da hotelaria de lazer, garantir a sustentabilidade da indústria é uma equação complexa e de muitos coeficientes.

No início do mês, a Adit Share 2022 apresentou números atualizados do segmento. De acordo com o estudo Cenário de Desenvolvimento de Multipropriedades 2022, realizado pela Caio Calfat Real Estate Consulting, o VGV (Valor Geral de Vendas) cresceu 45,5% em relação a 2021, chegando a R$ 41,2 bilhões.

No período, foram lançados 28 novos empreendimentos, com VGV adicional de R$ 12,9 bilhões para essa florescente indústria. O número de unidades habitacionais passou de 23.313 para 29.887, enquanto o total de frações saltou de 582.174 para 767.465.

No Brasil, já são 77 cidades, em 20 estados, com pelo menos um empreendimento no modelo de multipropriedade. Entre 2021 e 2022, houve aumento de 128 para 156 negócios no formato em questão.

Estoque elevado preocupa?

Antes de ir mais a fundo na questão, uma boa notícia: o estoque de projetos teve queda de -12,98% frente a 2021. Com isso, o percentual frente à oferta total do mercado cedeu de 48,83% para 42,50%, um patamar considerado alto. Isso porque, em qualquer setor, um cenário de desequilíbrio entre oferta e demanda é sempre um mau sinal. Uma possível superoferta provoca quedas nos preços e pode levar a uma situação difícil de ser revertida.

Alexandre Mota, diretor da Caio Calfat Real Estate Consulting, explica que o estoque está concentrado em lançamentos realizados durante a pandemia. O executivo ressalta que os números devem ser analisados de forma geral, regional ou por destino para obter um diagnóstico condizente com cada realidade.

“O estoque alto pode significar que o produto não tem atratividade tão alta quando se imagina, quando olhamos para o mercado geral. Em âmbito regional, pode ser sinal de que ainda não há uma identidade turística e fluxo consolidado. E, por destino, devemos avaliar a qualidade do produto, da cidade e se aquele mercado já atingiu seu momento de estagnação”, salienta Mota.

O diretor também pontua que o ambiente socioeconômico do país tem peso nessa análise. “Desta forma, o estoque é um assunto complexo e demanda um estudo de mais dados nos próximos dois anos após a pandemia”, acrescenta.

Especialista em investimentos hoteleiros, Pedro Cypriano afirma que é difícil entender se os números refletem a realidade esperada de projetos ou se o indicador ainda sofre a influência da crise. “Em 2021, o estoque era mais alto, mas também foi o período de pico da pandemia. É natural que os resultados estejam melhores em razão da abertura da economia e controle dos índices de contágio por Covid-19”.

Cypriano contesta que o mercado ainda não possui um histórico condizente com a normalidade, uma vez que a pandemia influenciou os resultados. “Na prática, o que vai indicar a tendência de redução está atrelado ao cenário que teremos daqui pra frente. Acredito que, em 2023, partindo do pressuposto de que não teremos mais surpresas, o estudo apresentará resultados mais próximos do potencial dos negócios”, avalia.

Com dois empreendimentos sob gestão e outros cinco previstos para abertura em 2023, a Livá Hotels, do seu lugar de operadora, pondera que é necessário separar o que é estoque pós-obra e o que é lançamento. “Se compararmos com 2021, tivemos queda de estoque. Para nós, a maior preocupação é que, quanto maior o estoque, maior a participação do incorporador no condomínio. Falando como operador hoteleiro, quanto mais estoque mais UHs garantidos na distribuição do pool. Entretanto, na multipropriedade a conta é diferente. Preciso da adesão do cotista a esse pool para fazer a venda hoteleira”, comenta João Cazeiro, diretor de Novos Negócios da empresa.

Mota: economia é fator de peso

Sustentabilidade do setor

Nos últimos anos, temos observado um crescimento fora do comum no segmento de multipropriedade. Por um lado, a expansão da indústria se mostra como uma boa oportunidade para fomentar negócios, gerar empregos e garantir a saúde financeira das empresas. Contudo, manter um avanço sustentável do setor pode ser desafiador perante um mercado com tantos players e projetos.

“Não apenas em multipropriedade, mas em qualquer investimento de hospitalidade, existe uma conjunção de fatores que permitem um bom negócio. O primeiro, é a localização. É preciso pensar em um destino que faça sentido, seja forte e atrativo, com facilidades de acesso e desejável pelo público”, diz Cypriano.

“Em segundo lugar, o produto deve ser consistente não apenas na promessa, mas na entrega também. Ter uma materialização real positiva do lado operacional, com bons serviços na ponta é fundamental. Assim como oferecer diferenciais, pois não adianta criar um modelo replicável em qualquer cidade, porque não é. Quando um mercado expande sua oferta, mais competitivo ele fica e se destacar é parte da relevância”, complementa.

Falando em diferenciais, Cypriano destaca o entretenimento, que ele entende ser parte vital da experiência do cliente e da perpetuação do negócio como um todo. “Vendemos uma possibilidade de encanto do consumidor final. E isso deveria acontecer independentemente do destino exigir ou não, mas pela saúde financeira do empreendimento e para obter resultados que impulsionem uma nova onda de desenvolvimento”.

Cazeiro também aponta os diferenciais, como investimentos em atrações e equipamentos (caso de parques aquáticos, por exemplo), como fator de peso para criar novas demandas. “Em Olímpia, por exemplo, existe uma lei que pede que um novo produto de multipropriedade venha com algum atrativo a mais, como um parque aquático, temático, museu, etc. O que é importante, pois cria uma demanda nova, pois viver só do cotista não é viável”.

De acordo com o diretor de Novos Negócios, a Livá entende que cada empreendimento precisa agregar valor ao destino e fomentar não apenas vendas, mas o turismo como um todo. “Esse equipamento precisa vir completo, com atrações conceito voltados para nichos determinados e boa gastronomia. A Livá nasceu da hotelaria, logo, possui DNA de serviços e atendimento, que hoje são os nossos diferenciais”.

Para Mota, a sustentabilidade do negócio é fruto de determinados pilares a serem trabalhados, como a definição correta do empreendimento, venda, entrega e operação. “A sustentabilidade dessa indústria está na capacidade do comprador de sentir que fez um bom negócio e continuar a pagar a mensalidade e o condomínio quando entregue. Não é mais possível lançar qualquer produto em qualquer lugar. Requer estudo, análise de risco mercadológico e financeiro e, principalmente, definição de produtos e nichos, e não apenas por faixa de renda”.

Sustentabilidade depende de bons negócios, diz Cypriano

Concentração de portfólio

Ainda que este seja um segmento vasto e com múltiplas possibilidades de investimentos e destinos, existe certa concentração de portfólio por parte de algumas empresas. Essa centralização pode gerar uma concorrência desleal e monopólio da indústria, entretanto, o diretor da Caio Calfat explica que esse movimento é natural em mercados recentes. “Porém, já se verifica um grande volume de empreendimentos de pequenos e médios players de porte regional. A multipropriedade está mais conhecida e existem bons consultores e assessores que podem difundir o conhecimento que antes estava nas mãos de poucos”, complementa Mota.

Cazeiro garante que ser novo em terra de gigantes não é problema para a Livá. O executivo declara que o grupo acredita no potencial do mercado, com espaço para todos. “É sempre algo positivo ter concorrentes de grande porte, pois nos fazem sair da nossa zona de conforto e buscar mais. Somos um grupo atuante no setor hoteleiro e já passamos por isso antes. O setor de multipropriedade é jovem e tem muito a crescer e se desenvolver. Isso gera também credibilidade do segmento e visibilidade para a indústria”.

É uma conta óbvia pensar que, quando uma empresa cresce, ela ganha escala. Desta forma, gera também a capacidade de investimentos, o que resulta em tração e inteligência de mercado. “Esses grupos têm condições de desenvolver novos modelos de negócios que os menores têm dificuldade, da mesma maneira que as redes hoteleiras. Não vejo o crescimento dessas empresas como risco, mas como a possibilidade de investimentos e novos produtos, cada vez mais atrativos, com experiências e soluções para o consumidor final”, afirma Cypriano.

Sul sempre estará no radar de desenvolvimento, afirma Cazeiro

A disparada da região Sul

Voltando ao estudo da Caio Calfat Real Estate Consulting, um dos destaques da edição de 2022 foi o crescimento de projetos no Sul do país. A região assumiu a dianteira com 45 empreendimentos, contra 31 no ano anterior. O Nordeste vem logo depois, com 44, em relação a 38 em 2021. Já o Sudeste conta com 37 unidades, Centro-Oeste com 24 e Norte com seis unidades.

O VGV potencial dos 45 empreendimentos do Sul é de R$ 14,1 bilhões e o VGV vendido de R$ 7,5 bilhões. São 2.678 unidades habitacionais prontas, 2.610 em construção e 1.812 em lançamento na região.

Os empreendimentos lançados no Sul do país ofertam 7.100 unidades e 175.867 frações. Gramado é a cidade com o maior número de equipamentos na região, com 11 empreendimentos, seguida por Florianópolis com quatro, e Foz do Iguaçu e Itapema com três empreendimentos cada.

Mas o que exatamente define esse fenômeno? Maior número de atrativos turísticos desenvolvidos, renda média elevada dos consumidores ou uma combinação de fatores? Para Cypriano, ambos. “Gramado, especificamente, é um destino planejado, com regras claras de desenvolvimento, além de muitos atrativos, entretenimento, acessibilidade e um poder público atuante. Outro ponto é um mercado consumidor de alto potencial, que impulsiona o desenvolvimento de experiências. Basta olhar o setor de hospitalidade e entretenimento na cidade”.

Recentemente, a Livá Hotels assinou um contrato de gestão em um hotel-boutique em Gramado, com ticket médio acima de R$ 2 mil e serviços premium. O Poehma Lago Negro conta com 28 UHs e tem previsão de chegada ao mercado em 2023. “Gramado sempre foi uma referência para o turismo brasileiro. É uma praça que investe em equipamentos, inovação e atrativos, o que gera demanda. Hoje, é um destino com grande oferta e há muito mais por vir”, comenta Cazeiro.

O diretor da Livá destaca que a chegada de bandeiras internacionais atraem turistas estrangeiros e domésticos de maior renda. “Sabemos que não é uma viagem barata comparada com outros destinos. É um destino com perfil de classe média e média alta. Somos uma empresa do Sul e sempre vamos querer investir na região, apesar do nosso plano de expansão ser nacional. Assinamos com a Surfland e estamos focados nos três estados”.

“O que vai ditar novos investimentos em multipropriedade daqui pra frente é algo simples: tamanho de mercado, consumidor potencial e atratividade do destino. Além de Gramado, no Sul temos outras praças, como Foz do Iguaçu, que passa por um processo de estudo de novos produtos. É possível ver esse mesmo movimento em outras regiões, não vejo um eixo específico”, finaliza Cypriano.


Fonte: Hotelier News