Valor Investe: Resultados de condo-hotel frustram os investidores
O resultado está no 'zero a zero'. Há casos mais extremos, de empreendimentos que estão no vermelho, com os investidores sendo chamados a fazer aportes adicionais. A taxa de ocupação média no Brasil esteja entre 25% e 30%. Para atingir um equilíbrio entre receita e despesa, deveria ser de pelo menos 40%
Por Juliana Schincariol, Valor — Rio
Sem viagens de negócios por causa da pandemia, os donos de condo-hotéis sentiram fortemente os impactos da crise. Especialistas e gestores afirmam que, em geral, o resultado está no “zero a zero”. Para compensar a falta de rentabilidade, algumas operadoras negociaram as taxas de administração, o que é visto como uma medida paliativa. Porém, há casos mais extremos, de empreendimentos que estão no vermelho, com os investidores sendo chamados a fazer aportes adicionais.
Por meio dos condo-hotéis, que são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os investidores compram quartos e financiam a construção dos empreendimentos. A operadora é responsável pela administração e o investidor recebe um rendimento sobre os resultados. O modelo é utilizado há alguns anos, em hotéis corporativos. Já havia problemas mesmo antes da crise causada pela covid-19. Como ainda não se sabe quando ou como as viagens de negócios serão retomadas, pairam dúvidas sobre a recuperação.
“A pandemia zerou a demanda hoteleira. Não tem outro setor da economia que sentiu tanto”, diz o sócio-diretor da HotelInvest, Diogo Canteras. Com o fim do distanciamento social, um shopping center ficará cheio no dia seguinte. Já o hotel, não tem a mesma dinâmica, compara. “Nossa projeção é que só vamos chegar aos níveis de desempenho anteriores à pandemia em 2024”, estima.
O setor já tinha sofrido com a recessão econômica durante o governo Dilma, quando as taxas de ocupação chegaram a 20%. Além da crise, com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no país, houve um boom de construção de hotéis. De 2018, até a chegada da pandemia, o segmento vinha se recuperando.
“Qualquer estudo de viabilidade que tenha sido feito em 2014 não previu a crise que atingiu o mercado anos depois. Em 2018 e 2019, houve melhora. E para 2020 previa-se um ano extraordinário. Mas veio a pandemia e os hotéis ficaram fechados no Brasil por quatro meses”, diz Caio Calfat, da consultoria que leva seu nome. Com a esperada volta à normalidade, hábitos antigos serão revistos. Devido ao amplo uso de reuniões por vídeo, muitas viagens de negócios que antes da pandemia seriam realizadas podem não acontecer.
Entre 2018 e 2019, um hotel de padrão econômico em São Paulo rendia ao investidor algo em torno de 7% a 8% ao ano. Hoje, a receita e as despesas estão no mesmo patamar, e praticamente não se distribuem rendimentos.
“Há casos em que há cobrança de aporte de capital, caso de empreendimentos de padrão mais alto”, afirma Calfat. O executivo estima que atualmente a taxa de ocupação média no Brasil esteja entre 25% e 30%. Para atingir um equilíbrio entre receita e despesa, deveria ser de pelo menos 40%.
Investidores frustrados com os resultados reclamam da gestão de operadoras. Hoje, as principais dos país são Accor e Atlantica. Um grupo que afirma reunir mais de 5 mil pessoas, investidores de condo-hotéis de 45 empreendimentos no Brasil, se organizam pelo WhatsApp.
Na Accor, esse grupo alega que tenta renegociar as taxas de administração, ainda sem sucesso. Hoje, o cálculo do valor a ser pago à operadora tem como base a receita bruta dos empreendimentos. Entre outras demandas, os investidores gostariam que o cálculo fosse sobre a receita líquida. Eles questionam também a escolha dos fornecedores dos hotéis.
Procurada pela reportagem, a Accor disse que “mantém um canal de comunicação aberto, transparente e constante com todos os seus investidores”. A Atlantica afirmou que as cláusulas dos contratos são pré-acordadas e o modelo de remuneração está ligado ao desempenho dos hotéis. A companhia disse que também teve o faturamento afetado e trabalha para diminuir o impacto gerado aos investidores e gerar eficiência operacional.
Mesmo quando há negociação de taxas, as medidas são consideradas paliativas. Em geral, há algum desconto, mas pode haver exigência de contrapartidas, como extensão do contrato de administração do empreendimento.
“Estamos há quatro anos sem ganhos. Não consigo trocar um quarto por um carrinho de pipoca”, disse um investidor no Estado de São Paulo, que não quis ser identificado. O mercado secundário, que já não tinha muita liquidez, agora vê uma depreciação dos valores. Se um apartamento de um hotel antes era avaliado de R$ 350 mil a R$ 400 mil hoje fica entre R$ 30 mil e R$ 50 mil.
Para Canteras, da HotelInvest, negociar a tarifa com a operadora não resolve. “A solução seria termos a possibilidade de converter um grande número de apartamentos hoteleiros em apartamentos residenciais. A demanda não vai aumentar rapidamente. O único jeito é fazer uma correção na oferta”, afirma.
O sócio da gestora Urca Partners, Caio Braz, acredita que a situação é pontual e que haverá retomada dos resultados. “Hoje o cenário é ruim, e a queda foi drástica. Haverá recuperação aos patamares pré-pandemia, que eram bons”, afirma.
Fonte: Valor Investe